Canonização de São Josemaria Escrivá
A Praça de São Pedro, centro geográfico do catolicismo, é um dos lugares mais visitados do mundo: a colunata barroca que a envolve são como os braços desta Mãe Universal, a Igreja, a acolher seus fiéis peregrinos e todos os visitantes naquela grande esplanada erguida sobre o antigo Circo de Nero, local do martírio do apóstolo Pedro, cujas relíquias foram enterradas onde hoje está a Basílica de São Pedro, meta da Praça. Aqueles que já tiveram o privilégio de conhecê-la, dão testemunho de seu esplendor, grandeza e beleza.
A Praça é utilizada em grandes ocasiões, como, por exemplo, as canonizações dos santos. Certamente, é nesses dias singulares na vida da Igreja em que a Praça, além do seu encanto usual, reflete aquela glória sempiterna em que Deus é tudo em todos, com os seus santos, no Céu. Ocasião solene e jubilosa, digna de deixar memórias longevas na vida de uma pessoa. Foi em um desses dias de intensa alegria e praça lotada, especificamente no dia 6 de outubro de 2002, que o Papa João Paulo II concedeu a honra da canonização ao espanhol Josemaria Escrivá, fazendo com que ele fosse para sempre conhecido e invocado como “o santo da vida corrente”.1
Origem de São Josemaria Escrivá
Nascido em Barbastro, no início do século XX, o santo espanhol teve a graça de viver em um lar católico, onde os valores humanos e religiosos estiveram sempre presentes. Desde cedo, aprendeu o significado da íntima união entre os sofrimentos de Cristo e dos cristãos: da morte, concretizada na perda de três irmãs mais novas, ainda na infância; da crise econômica, quando da falência dos negócios do pai; e, mais tarde, já como sacerdote, da guerra civil espanhola, que fez vítimas inúmeros sacerdotes.
Essas foram algumas das experiências que forjaram na alma de São Josemaria os sinais do Cristo Crucificado, a respeito das quais ele falava de forma tão eloquente aos seus filhos espirituais: “Quando vires uma pobre Cruz de madeira, só, desprezível e sem valor… e sem Crucificado, não esqueças que essa Cruz é a tua Cruz: a de cada dia, a escondida, sem brilho e sem consolação…, que está esperando o Crucificado que lhe falta. E esse Crucificado tens que ser tu”.2
Vocação ao sacerdócio de São Josemaria Escrivá
A vocação de São Josemaria ao sacerdócio surgiu de forma singela e corrente, quase como em antecipação da própria mensagem de santificação da vida ordinária que ele carregaria consigo até o fim dos seus dias, e que permanece como meta do Opus Dei. 3 Estranho seria se algo da vida do Padre, como o chamam carinhosamente seus filhos espirituais, fosse excêntrico ou extravagante.
A vocação floresceu na alma de São Josemaria quando, por volta dos 15 anos de idade, avistou um frade carmelita que andava descalço sobre a neve de um gélido inverno espanhol. Aquelas simples pegadas na neve foram a faísca que fez o coração de São Josemaria arder e se perguntar o que ele estava oferecendo a Deus em sua vida até aquele momento.4
Com alguma reflexão e não pouca oração, motivado por esse evento, o jovem Josemaria decidiu ingressar no seminário e dedicar os seus dias ao serviço de Deus como um alter Christus (outro Cristo). Contudo, uma inquietação o fazia acreditar que o Senhor lhe reservara uma missão específica, a qual, muitos anos depois, ele entendeu que se concretizaria no Opus Dei.
Essa inquietação durou cerca de dez anos, durante os quais o santo não deixava de confiar na voz que o incomodava em sua consciência, à qual respondia com jaculatórias que se tornaram suas preces constantes: “Domine, ut videam” (Senhor, que eu veja), “Domine, ut sit” (Senhor, que seja), pedindo ao Senhor que ele pudesse enxergar e abraçar a vontade divina, qualquer que fosse e a qualquer custo. 5 Repetia a mesma jaculatória voltando-se à Nossa Senhora, a quem, sob o título de Virgem do Pilar, sempre confiou sua vida, especialmente nos momentos de maior dificuldade.
Opus Dei
Em fevereiro de 1928, São Josemaria viu a vontade de Deus se manifestar concretamente em sua consciência, enxergando o Opus Dei. Sobre isso, é importante lembrar que os Santos que receberam locuções, visões ou qualquer tipo de graça de revelação privada, em qualquer período da história da Igreja, não adicionaram nada ao patrimônio público da fé revelada: na verdade, em cada uma dessas revelações privadas reconhecidas pela Igreja, a Igreja reconheceu o único tesouro imperecível da fé pública, o qual, por meio da graça recebida de forma privada pelo Santo, tem um ou mais aspectos especificamente ressaltados, os quais, normalmente, dão origem a uma forma de vida, uma devoção etc.
Assim, pela multidão de santos com seus carismas peculiares, Deus manifesta a infinita e insondável riqueza da Sua graça multiforme, a qual, em cada um deles, ganha ênfases e destaques que são mais necessários para cada tempo.
No caso de São Josemaria, o ensinamento com que o Bom Deus queria marcá-lo e, por meio dele, aos outros, era: “difundir a mensagem do chamado universal à santidade por meio e através das circunstâncias comuns da vida”. 6
Na altura em que percebeu isso, o jovem sacerdote desabafava consigo que não encontrava em si as habilidades humanas para tal encargo, mas que tinha apenas “a graça de Deus, vinte e seis anos e bom humor”, nada mais, mas que isso deveria bastar. 7
Essa doutrina e espiritualidade já a vemos, em uma linguagem diferente, na Filoteia, 8 de São Francisco de Sales, ou ainda na Pequena Via, 9 de Santa Teresinha, além, claro, das Escrituras, quando Nosso Senhor deixa claro que todos devemos ser santos e que Ele mesmo deseja que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. 10
Legado de santidade
Entretanto, por meio de São Josemaria, sacerdote espanhol de caráter forte, enérgico, bem humorado, entusiasmado e cativante, essa doutrina e espiritualidade ganharam uma expressão de novos tons: insistia de diversos modos, oportuna e inoportunamente, por palavras e ações.
Em uma histórica e marcante homilia no Campus da Universidade de Navarra, em 1968, pode-se perceber sintetizado esse modo de vida: “Meus filhos: aí onde estão nossos irmãos os homens, aí onde estão as nossas aspirações, nosso trabalho, nossos amores – aí está o lugar do nosso encontro cotidiano com Cristo. Em meio das coisas mais materiais da terra é que nós devemos santificar-nos, servindo a Deus e a todos os homens”. 11
Assim, São Josemaria, convicto de que a filiação divina – pela qual Deus quer abraçar todos os homens – deve levar-nos a querer a santidade à qual o Pai nos chama, não pôde fazer outra coisa senão empenhar todo o esforço de seu apostolado para abrir o coração dos homens ao chamado divino. São Josemaria Escrivá morreu em odor de santidade, em junho de 1975. Seu exemplo move a todos que têm contato com seus escritos a não quererem passar suas vidas sem deixar aqui, neste mundo, o melhor que podem dar de si a Deus e aos irmãos.
Por fim, que possamos seguir o conselho do santo: “Que a tua vida não seja uma vida estéril. Sê útil. Deixa rasto. Ilumina com o resplendor da tua fé e do teu amor. Apaga, com a tua vida de apóstolo, o rasto viscoso e sujo que deixaram os semeadores impuros do ódio. E incendeia todos os caminhos da terra com o fogo de Cristo que levas no coração”. 12
São Josemaria Escrivá, rogai por nós!