A Igreja, em sua missão triunfal de não permitir o avanço do inferno sobre este mundo, vem sido presenteada constantemente com homens e mulheres de diversos estados de vida, que, fazendo florescer as virtudes batismais, enobrecem ainda mais o místico jardim do Divino Rei.
Estes homens e mulheres, por uma busca heroica da santidade, fazem de suas vidas um alvorecer da santidade do próprio Deus no meio de nós. Anônimos ou não, os santos alimentam nossa inquieta sede pela realização do plano do Senhor para cada um de nós: a intimidade com Ele, capaz de nos fazer participar de tudo que Ele é por natureza.
Há 100 anos, nascia, para a humanidade e para uma missão específica na Igreja, Karol Wojtyla, mundialmente conhecido como São João Paulo II, nome escolhido por ele para acompanhar seu chamado a presidir a unidade da Igreja como papa. Sua biografia nos aponta dados importantíssimos que nos possibilitam entender um pouco de como foi formada a consciência espiritual e humana deste que é um “santo da esperança”.
Tudo aquilo que São João Paulo II deixou como herança para a Igreja em seu frutuoso pontificado nada mais é do que o fruto do seu amadurecimento, da sua história, dos passos que sua vida deu por submeter-se aos desígnios de Deus.
Talvez seja por este motivo que seu coração tenha reconhecido, em milhares de homens e mulheres, o esforço de busca pela santidade, movendo-o a dar para a Igreja tantos santos e beatos. Sem dúvida, neste gesto, percebe-se sua grande esperança de um mundo melhor, a partir do eco da vida de Cristo nos diversos carismas e modos de vida evangélica, que seduziram a tantos para a verdade da Igreja.
A esperança é uma das virtudes teologais que São Paulo apresenta, por ela “passa” a fé rumo à caridade. É ela quem leva todo homem a olhar para o futuro, considerando que ele será melhor a partir daquilo que o presente é capaz de nos oferecer.
Desse modo, na esperança, a constante luta pela vida e os sofrimentos que nela são enfrentados, tomam vigor sublime na marcha para um fim mais alto e de valor imenso: o Céu. É na esperança que o homem se deixa seduzir e impulsionar pelo desejo de Deus como seu bem maior e supremo.
Como alimentar e sustentar a esperança?
Em tempos tão difíceis como os que vivemos, o santo da esperança nos apresenta um tripé seguro para isso, a partir daquilo que ele mesmo experimentou.
Sem dúvida, o brado mais conhecido do papa polaco foi o da abertura do seu pontificado: “não tenhais medo”. Sua coragem chamou-nos a imitá-lo por uma certeza: Jesus, vivo na Igreja, é fonte da nossa esperança.
Vivência eucarística
De sua vida, o primeiro pilar que nos é apresentado neste tripé da esperança é a Eucaristia. Em todo seu pontificado, pelo que vimos e lemos, fica claro o seu zelo pela Eucaristia, não como simples “devocionismo romântico”, mas como elo indestrutível da vida cristã.
Pode-se dizer que, na sua última encíclica, Ecclesia de Eucharistia (Igreja da Eucaristia), o Santo Padre apresentava à Igreja seu último desejo: guardar a fé dos fiéis, tornando a celebração dos sacramentos um ambiente livre de brigas entre os múltiplos “intérpretes” do Sacrifício.
Essa consciência eucarística amadurecida pela experiência com o Senhor, tornou-se emblemática na história do Santo Papa. Ele mesmo acabou tornando público o hábito de ter uma capela próxima dos locais onde trabalhava, como um imã para ele, visto que todas as decisões eram tomadas ali.
Mas, obviamente, como um “embaixador da comunhão eclesial”, São João Paulo II não só manifestou o valor da devoção eucarística, mas da experiência central da comunidade eclesial que é a Eucaristia celebrada. Ele mesmo dizia que “a celebração da Eucaristia não é só o dever mais sagrado, mas, sobretudo, a necessidade mais profunda da alma”.
De fato, se reconhecemos ser a Vida Eterna o nosso motivo de existir neste mundo, cada Eucaristia renova em nós a necessidade do Sumo Bem, pois antecipa aqui e agora as delícias da Eternidade. O Pão que contém em si todo sabor, nos permite experimentar o Céu! Este é, portanto, o alimento de nossa esperança: o sabor do que já possuímos, mas ainda não desfrutamos. Dessa esperança vive o cristão!
Maria como mãe
Podemos observar, ainda, que a constância de uma “vida eucarística” nos dias de hoje é um desafio. Sabendo Jesus da nossa pequenez, da nossa necessidade de sinais visíveis, além de dar-nos por mãe Aquela que para si escolhera, permitiu que Ela mesma se manifestasse para seduzir-nos ao seu materno e irresistível amor.
Sabendo e experimentando isso de forma tão íntima, o papa genuinamente mariano propõe Maria como o segundo pilar que nos fortalece a esperança.
Pensar na mariologia do Papa João Paulo II é pensar toda sua vida que ele consagrou totalmente à Mãe do Redentor, como exprime belamente seu lema episcopal e papal: “Totus Tuus”.
Todos os seus pronunciamentos e documentos possuem a lembrança da Virgem Maria, Mãe de Deus e da Igreja, Senhora da Esperança. Além dos valiosos ensinamentos do papa sobre as verdades marianas, nos documentos oficiais, nos pronunciamentos cotidianos, nas suas homilias, na oração do ângelus, nas entrevistas públicas e em diversas circunstâncias, João Paulo II nunca deixou de evocar a memória da Mãe do Redentor.
Seu amor apaixonado por Maria o fez valer-se dos títulos dogmáticos tradicionais como Mãe de Deus, Virgem, Imaculada, Mãe de Jesus, Rainha do Céu e da Terra, mas foi por meio de títulos específicos que ele, em alguns de seus pronunciamentos mais insistentes sobre outros temas que manifestavam sua preferência doutrinal, exprimiu a firme esperança que brota nos devotos marianos.
Ao invocar Maria como Mãe da Igreja, Medianeira e “corredentora”, Mãe dos Sacerdotes e dos Consagrados, o servo da Virgem Santíssima reforça a consciência da maternidade espiritual de Maria e insiste que Ela é o “sacramental da esperança” dado pelo próprio Cristo na Cruz, e é nela e por Ela que se vislumbram os tesouros da vida futura.
Na pessoa de Maria podemos encontrar, seguramente, o cumprimento das esperanças dos patriarcas e profetas. Por isso, imitar Maria é lançar-se com confiança na fonte da esperança: Cristo, redentor do homem, que satisfará todos os nossos desejos.
Misericórdia de Deus
O terceiro pilar de esperança que coroa nossa reflexão não poderia ser outro senão a Misericórdia de Deus. Dois anos após sua eleição papal, João Paulo II publicou a encíclica Dives in Misericordia (Deus, Rico em Misericórdia), dedicada exclusivamente à Divina Misericórdia, na qual expôs mais essa paixão.
Nela, ele incentiva os cristãos à confiança na ilimitada Misericórdia Divina:
“Em nenhum momento e em nenhum período da história – especialmente numa época tão crítica como a nossa –, a Igreja pode esquecer a oração, que é o grito de apelo à Misericórdia de Deus perante as múltiplas formas de mal que pesam sobre a humanidade e a ameaçam… Quanto mais a consciência humana, sucumbindo à secularização, perder o sentido do significado próprio da palavra ‘misericórdia’ e quanto mais, afastando-se de Deus, se afastar do mistério da misericórdia, tanto mais a Igreja terá o direito e o dever de fazer apelo ao Deus da Misericórdia com grande clamor” (DM 15).
Sua experiência com a Misericórdia Divina não se restringe à devoção revelada à polonesa Santa Faustina, mas ultrapassa-a em profundidade. Ele mesmo vai dizer: “Desde o princípio do meu ministério na Sé de São Pedro, em Roma, considerava esta mensagem como minha tarefa primordial. A Providência confiou-a a mim na situação contemporânea do homem, da Igreja e do mundo. Poderia também se dizer que precisamente esta situação atribuiu-me como dever essa mensagem, como minha tarefa ante Deus…”.
Por esse motivo, sem dúvida, a Misericórdia de Deus é fonte e ápice da esperança cristã! Mergulhar nessa torrente garante ao cristão uma força grandiosa na busca da assimilação com o Senhor.
Viver na providência divina, como João Paulo II
Deve ser consolador e animador, para nós, ver a bondosa providência de Deus nos sinais dos tempos. Para nós, homens e mulheres de fé, estes sinais são os santos!
A seu tempo e a seu modo, cada um deles nos enche de esperança. A esperança que nos trazem, por suas vidas entregues à Divina Vontade, faz que o nosso pensamento ultrapasse o tempo e o espaço e penetre na imensidão do espaço infinito.
Assim, de posse da esperança, acabamos por nos esquecer das dores, dos sacrifícios, das doenças, das dificuldades, e nos lembramos somente da felicidade regida pela paz interior. Isso não é utopia, é a dimensão real que ultrapassa nossa pequenez e nos põe rumo às coisas superiores.
Assim viveu São João Paulo II, e não nos escondeu isso! Agora, nós, testemunhas de sua santificação, sigamos após ele nesse caminho, nessa esperança.